Ciência Cognitiva 🧠
A ciência cognitiva pode fornecer aos cientistas de dados uma compreensão mais profunda da mente humana, como pensamos, aprendemos e tomamos decisões, e dos dados que eles estão sendo analisandos. A conexão entre essas duas disciplinas está na compreensão de como o cérebro humano processa informações. Isso pode ser útil para o desenvolvimento de modelos de machine learning que sejam mais precisos e relevantes para o comportamento humano, insights mais profundos e novas aplicações inovadoras.
O que é Ciência Cognitiva ?
Cognitive science ou Ciência Cognitiva é o campo científico interdisciplinar do estudo da mente. Os campos da filosofia, psicologia, linguística, inteligência artificial, robótica, neurociência, entre outros convergem e cooperam entre si trazendo suas especialidades, ferramentas e perspectivas para o estudo da mente.
A mente, sob uma perspectiva teórica, surge da ideia de computação ou processamento de informação. Cientistas cognitivos vêem a mente como um processador de informação que a operando processos e transformando representações mentais. Ou seja, incorpora representações mentais de informações e as processa manipulando essas informações. Essa perspectiva tem forte influência do desenvolvimento de computadores, e de forma análoga (muito abstrata e imperfeita) a ele, podemos pensar que a mente recebe inputs de informações através da percepção, armazena em nossas memórias e processa na forma de pensamentos. Assim como computadores recebem inputs através dos periféricos, processam internamente e trazem outputs. Esses pensamentos servem de base para os outputs, que se manifestam através do comportamento físico e linguagem.
Representações Mentais
Uma representação mental é algo que retrata alguma coisa, que se refere a alguma coisa, ou seja, é simbólica (symbolic). Um símbolo é uma entidade que existe na mente. Esse processo de representar informações se divide em 4 categorias:
- Concept: Conceitos são entidades únicas ou grupos de entidades. Exemplo: A palavra “maçã” se refere a todas as maçãs que existem, não à uma específica. É um conceito.
- Propositions: Proposições são afirmações sobre o mundo, ilustradas através de sentenças. Proposições são representações que incorporam conceios. Exemplo: “Hoje choveu”.
- Rules: Regras especificam o relacionamento entre proposições. Exemplo: “Se chover, então vou levar meu guarda-chuva”
- Analogy: Analogia é a comparação entre situações similares
Além disso, existem 4 aspectos cruciais em qualquer representação:
- Um agente deve executar a representação, seja humano ou computador
- A representação deve ter conteúdo e significado que se refere a um ou mais objetos, chamados de referents.
- A representação deve ser fundamentada, ou seja, deve relação relacional entre a representação e o referent.
- A representação deve ser interpretável por outro agente, seja humano ou computador.
As representações mentais humanas são chamadas de semânticas, porquê possuem significado, principalmente as representações linguísticas. O significado de uma representação mental deriva do relacionamento entre ela mesma e o seu referent, ou seja, sobre o que ela diz. Essa relação é chamada de intencionalidade (intencionality). É a direção para um objeto. Os estados mentais e eventos são intencionais, eles se referem a alguma coisa ou coisas no mundo. Essa intencionalidade provoca um comportamento ou ação que está relacionado ao referente.
Os símbolos são agrupados e combinados em sistemas lógicos formais. Nesses sistemas, os simbolos são combinados em expressões, expressões que podem ser manipuladas através de processos, resultando em novas expressões. Na lógica formal, símbolos podem ser palavras como “animais” e “humanos” e expressões como “animais bebem água”. O processo seriam as regras de dedução, que permitem derivar conclusões verdadeiras de expressões conhecidas. Se “animais bebem água” e “humanos são animais”, logo “humanos bebem água”.
Computação e Processos Mentais
Nossa mente performa computações com essas representações mentais, desde operações matemáticas como adição, subitração, divisão, etc, além de fazer com a linguagem como conjugações verbais, e a lista de possíveis computações possíveis é infinita. Por isso, é melhor pensar em operações mentais como operações de categorias mais amplas. Essas categorias são definidas pelo tipo de operação performada ou pelo tipo de informação em que agiu sobre. Algumas dessas operações mentais incluem sensação, percepção, atenção, memória, linguagem, raciocínio matemático, raciocínio lógico, tomada de decisão e resolução de problemas.
Qualquer processamento de informação pode ser dividido em diferentes níveis, e de acordo com o Tri-level hypotesis, processamentos de informação biológicos ou artificiais podem ser avaliados em pelo menos três níveis:
- Nível computacional: Nesse nível mais alto e abstrato, estamos focados em especificiar claramente o problema, e, quebra-lo em seus principais componentes. Aqui, o objetivo é descrever o problema de forma precisa, para que o problema possa ser investigado utilizando métodos formais. Além disso buscamos o propósito ou razão para esse processo, por quê ele é necessário.
- Nível algorítmico: Nesse segundo nível menos abastrato, utilizamos procedimentos formais, algoritmos, para atuar nas representações mentais de informação. Aqui, algoritmos podem ser executados independente do sentido e significado de uma representação. Os algoritmos agem na forma, não no significado dos símbolos que eles transformam (importante frisar, para não assumir que IAs são ou são potencialmente conscientes). Uma forma de pensar algoritmos são as etapas que são utilizadas pra manipular e alterar representações. São os passos de processamento de informação para resolução de problemas.
- Nível implementacional: Essa é a etapa mais concreta, as vezes chamada de hardware level, em que do que é feito o processador de informação e quais mudanças físicas ou materiais afetam o processamento de informações. Assim como um computador é composto de várias partes de hardware, o nosso hardware biológico cognitivo é o cérebro e nosso corpo, que numa escala menor, é composto de neurônios e a atividade sinapticas deles.
Essa forma de particionar a análise do processamento de informações nesses 3 níveis é criticado por ser fundamentalmente simplista, já que os níveis interagem entre si. E cada um poderia facilmente gerar diversas subdivisões, mas para fins didáticos, é uma ótima ferramenta.
Abordagens
Como dito anteriormente, Ciência Cognitiva é o campo científico interdisciplinar do estudo da mente, composta de várias abordagens e de suas interações, e os maiores avanços sobre a compreensão da mente surgiram dessa cooperação interdisciplinar. Abaixo falo brevemente sobre alguns campos, dos vários abordados por Friedenberg, Silverman e Spivey (2022). As maiores contribuições teóricas de cada abordagem são descritas por eles em termos de perspectiva, história e metodologia em na sua obra.
Filosofia
A abordagem filosófica tem suas origens na Grécia antiga, com os filósofos buscando responder desde as questões mais básicas sobre a realidade e universo. Essa bordagem é livre pra estudar qualquer tipo de questão sobre qualquer tema. Desde a natureza da aquisição do conhecimento até a política, ética e beleza. Os filósofos da mente, dirigem seu foco em problemas sobre a natureza e característica da mente. Eles buscam responder o que é a mente, como sabemos aprendemos as coisas, como o conhecimento mental é organizado, etc.
O método primário da abordagem filosófica é o raciocínio, seja ele dedutivo ou indutivo. O raciocínio dedutivo é a aplicação de regras de lógica em afirmações sobre o mundo, dado um conjunto inicial de afirmações (premissas) assumidas como verdadeiras, podemos derivar outras afirmações que logicamente devem ser corretas. Já no raciocínio indutivo, são feitas observações sobre o mundo, e ao perceber pontos em comuns, podemos generalizar as conclusões.
Um dos principais problemas abordados pela filosofia da mente é o problema mente-corpo. Que busca definir o que é a mente, se ela faz parte do corpo, se faz, qual parte exatamente está localizada ou é a mente, e caso não seja algo físico, o que exatamente ela é. Além disso, se mentes existem somente em cérebros ou podem surgir de entidades complexas, como computadores. Isso é feito através das perspectivas do monismo, dualismo, e funcionalismo. Outro problema abordado é o da aquisição do conhecimento e se ele é fruto da genética ou da interação com o ambiente, e o quanto esses fatores podem contribuir para as habilidades mentais. E um dos maiores problemas é o da consciencia, sobre o que é consciencia exatamente.
Psicologia
A psicologia foi a primeira disciplina em que foram adotados métodos científicos exclusivamente para estudar fenômenos mentais. Os primeiros psicólgos realizavam experimentos laboratoriais para catalogar ideias mentais e investigar as várias capacidades mentais, como visão e memória. Eles aplicam métodos científicos direcionados à mente e comportamento, para tentar entender não apenas fenomenos internos como pensamentos, mas também comportamentos externos (outputs), que esses fenômenos internos podem gerar.
O método científico é a forma de obter conhecimentos válidos sobre o mundo. Começando com uma hipótese sobre como o fenômeno funciona, depois o design do experimento para verificar a validade da hipótese. Em experimentos, fazemos observações sobre situações controladas.
O campo da psicologia é amplo, abarcando diversas subdisciplinas. E cada uma delas tem suas orientações teóricas únicas, cada uma delas fundamenta o que a mente é sob suas próprias teorias. A exemplo, temos os voluntaristas e estruturalistas, funcionalismo, gestaltistas, psicanálise, behavioristas, etc.
Os voluntaristas e estruturalistas veem a mente como um aglomerado de reações químicas que geram os fenômenos mentais. Já os funcionalistas veem a mente de acordo com suas funções, operações, o que ela pode fazer. A psicologia psicanalítica concebe a mente como uma coleção de subsistemas mentais diferentes e concorrentes, enquanto o behaviorismo a vê como algo que mapeia estímulos em respostas.
Psicologia Cognitiva
A psicologia cognitiva surgiu como uma nova forma de psicologia, como uma oposição ao movimento behaviorista, que tinha um foco profundo no comportamento e negligenciava as computações mentais. Psicologos cognitivos renovaram a ênfase no estudo das operações mentais internas. Eles adotaram o computador como uma metáfora para a mente, descrevendo as funções mentais em termos de representação e computação. Eles acreditam que a mente pode ser compreendida como um processador de informações, assim como um computador.
Um conceito inerente a abordagem cognitiva é o de modularidade. Módulos são unidades funcionais independentes que recebem inputs de outros módulos, executam uma tarefa de processamento específica, e envia os resultados dessa computação à outros módulos. Isso influenciou e fez com que os métodos experimentais e modelagens computacionais adotassem essa abordagem. Uma modelagem computacional envolve a realização de uma implementação formal (normalmente baseada em software) de um processo cognitivo. Os pesquisadores executam esse processo de modelagem pra simular como o processo opera na mente humana, podendo alterar parâmetros do modelo ou sua estrutura para alcançar resultados próximos aos obtidos com experimentações com humanos. Este uso de modelagem e comparação com dados experimentais é um ponto forte da psicologia cognitiva e também é usado nas abordagens de IA e redes artificiais.
Os psicólogos cognitivos estudam uma ampla variedade de processos mentais, incluindo reconhecimento de padrões, atenção, memória, imagens e resolução de problemas.
Neurociência
O campo que estuda o cérebro e o sistema endócrino e como eles explicam os estados mentais e comportamentos é a neurociência. E através dos avanços tecnológicos, foram possíveis muitos avanços no entendimento do cérebro, principalmente em termos de como os processos neuronais podem explicar os fenômenos cognitivos.
A neurociência provê descrições de eventos mentais a nível implementacional, ou seja, no nosso “hardware” biológico, em que o nosso “software” mental é executado. Os neurocientistas investigam explicações para vários processos cognitivos em vários níveis de escala. Estudam a química de neurotransmissores, a biologia celular de neurônios individualmente, o processo de transmissão sináptica entre neurônios, o padrão de atividades em polulações celulares locais, a interrelação entre grandes áreas cerebrais, etc.
Eles empregam uma ampla gama de métodos para mensurar a performace da atividade cerebral. Incluindo eletroencefalografia (FEG ou EEG) que detecta alterações nos campos elétricos gerados por grandes grupos de neurônios altamente ativos, magnetoencefalografia (MEG) que detecta alterações nos campos magnéticos gerados por grupos de neurônios altamente ativos e imagem de ressonância magnética funcional (fMRI) que detecta mudanças nas propriedades magnéticas do sangue oxigenado sendo entregue a pequenos grupos de neurônios altamente ativos, bem como muitos outros.
Os estudos que utilizam esses procedimentos fazem com que os participantes realizem uma tarefa cognitiva e a atividade cerebral concomitante ao desempenho da tarefa é registrada. Por exemplo, pode ser solicitado a um participante que forme uma imagem mental de um objeto específico com os olhos fechados. Os pesquisadores podem então determinar quais partes do cérebro se tornam ativas durante as imagens visuais e em que ordem. Os neurocientistas também usam outras técnicas.
Eles estudam pacientes com lesões cerebrais e os efeitos das lesões em animais de laboratório, e usam técnicas de registro de células únicas e múltiplas.
Linguística
A linguística é a area que foca exclusivamente no domínio da linguagem, focando em questões sobre as habilidades linguísticas, como o que é a linguagem, como adquirimos linguagem, quais partes do cérebro estão subjacentes ao uso da linguagem. A linguagem também é estudada por outros campos como neurociência e psicologia cognitiva.
A linguagem em si é um fenomeno complexo, o que faz com que muitos peqsuisadores se dediquem a entender sua natureza. Eles buscam entender sobre as propriedades que as lingaugens compartilhasm seus elementos e como esses elementos são usados durante a comunicação. Outros focos estão em como adquirimos linguagem, déficits nessa aquisição causados por privação sensorial ou danos no cérebro, o relacionamento entre linguagem e pensamento, linguagens usadas por primatas não humanos e o desenvolvimento de sistemas automatizados de reconhecimento de fala.
Inteligência Artificial
A área de Inteligência artificial busca mimetizar processos de pensamentos complexos. Os pesquisadores da área focam e buscam em fazer com que computadores executem tarefas, que até o momento, que requerem inteligência humana (mesmo a definição de “inteligência” sendo bem abstrata em muitos casos). Para isso, desenvolvem programas para resolver tarefas que requerem raciocínio complexo. O desenvolvimento desses programas também trazem insights sobre as funções humanas de operações mentais (como o exmeplo da conta).
Os métodos empregados na perspectiva de AI incluem o desenvolvimento e teste de algoritmos computacionais, comparação com dados empíricos ou performaces padrão e suas subsequentes modificações.
Conclusão
Neste artigo foram apresentados conceitos introdutórios sobre Ciência Cognitiva, representações mentais de informações, como computamos e processamos essas representações e algumas abordagens da disciplina.
Recentemente criei um roadmap no github (disponível aqui) para estudar o tema, contribuições são bem vindas.
Me siga clicando aqui para acompanhar os próximos blog posts aprofundando sobre o tema e cada abordagem.
Referencias
FRIEDENBERG, Jay; SILVERMAN, Gordon; SPIVEY, Michael J. Cognitive Science: An Introduction to the Study of Mind. 4ª ed. Thousand Oaks, California: SAGE Publications, Inc., 2022.
